Porque somos água.
A vida continua a escrever-se mesmo quando estamos sentados ou pensativos. A vida caminha por becos e saguões, por luzes e miradouros, por jarras onde camélias de plástico disfarçam a lisura dos dias.
A vida segue por declives que desembocam em velhos cais onde velhos veleiros excitam a nossa imaginação.
A vida nunca acaba. A vida segue os nossos passos, segue rente a nós, encaminhando-nos sempre na direcção de um encontro, de um copo de vinho, de um amor.
A vida, é uma escuridão que imóvel nos persegue porque está sempre dentro de nós, é como uma flor que rebenta no nosso peito, um cardo ou uma pétala que o vento arrasta.
Espreitar a vida, pôr a alma a nu, descobrir no caminho assombrado das palmeiras, o breve frio das manhãs. Sentar na sombra da insensatez. Acender a irrealidade da névoa que nos marca os passos e ouvir, muito ao longe, a sirene áspera da melancolia.
Aturdidas ruas esperam por nós, e entre o silêncio de um lago e o desesperado voo de um pássaro, acode-nos uma vontade de esculpir os dias.
A inútil intermitência das tardes, desperta-nos para o labirinto onde a alma se torna um fantasma. E é aqui que a vida acaba...e tudo começa...como se os dias nos decepassem a vontade de querer ser mais do somos, porque somos sempre mais que que somos, porque somos leves como a terra e rijos como o barro.
Porque somos água.