Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

folhasdeluar

Uma coisa é uma explicabilidade inexplicável...Hugo von Hofmannsthal

UMA ESTRELA - O MAIS BELO CONTO DE NATAL #parte 2

Peço licença ao grande poeta Manuel Alegre para transcrever o seu conto de Natal dedicado à sua avó Margarida:

( continuação)

- E a avó? - perguntava eu

- Eu já estou velha para essas andanças.

De dia para dia mudávamos de lugar. Todas as manhãs deparávamos com novas casas, mais rebanhos, pastores, gente que descia das serras, atravessava os rios e os lagos. Os caminhos ficavam cada vez mais cheios. E todos iam para Belém. À noite tremulavam luzes. Acendiam e apagavam. Mas ainda não se via a cabana, nem Maria, nem José.

      Então uma noite, entre as estrelas do céu, aparecia uma que brilhava mais que todas.

     - Esta é a estrela. - dizia a avó.

      E era uma estrela que nos guiava. Na manhã seguinte lá estavam eles, os três reis do Oriente, Magos, explicava o pai, que também não dizia Pai Natal, dizia São Nicolau, talvez por influência de uma misse de origem russa que em pequeno lhe falava de renas e de trenós e de São Nicolau atravessando as estepes.

Cheirava a musgo na sala de jantar. Cheirava a musgo e a lenha molhada que secava em frente do fogão. E os Magos lá vinham, a pé, de burro, de camelo. Traziam o oiro, o incenso, a mirra. Às vezes nós, os mais pequenos, juntávamo-nos e cantávamos: «Os três reis do Oriente/ já chegaram a Belém.»

   - Não chegaram nada - atalhava a avó -, ainda não.

   Estávamos cada vez mais perto. E também nervosos. Confesso que às vezes fazia batota. Empurrava-os um pouco mais para a frente, para mais perto de Belém e do lugar onde eu sabia que mais tarde ou mais cedo a avó ia pôr a cabana. Mas ela descobria.

   - Não lucras nada com isso, podes apressar toda a gente, não podes apressar o tempo.

   Cada vez havia mais luzes na Judeia, por vezes surgiam novos lagos. Eram mistérios da minha avó. E a estrela lá estava, a grande estrela de prata que brilhava mais que todas as outras, às vezes ia à janela e via a projecção daquela estrela, ficava confuso, já não sabia se era uma estrela da sala ou se era uma estrela do céu, era uma estrela nova, uma estrela de prata, era uma estrela que nos guiava. No céu, na sala, na Judeia, talvez dentro de nós.

    Até que chegava o primeiro dos grandes momentos solenes. A avó chamava-nos ao sótão ( nós dizíamos forro), abria uma velha arca e desempacotava a cabana. Depois, muito comovida, quase com lágrimas nos olhos, as figuras de Maria e José.

   - Não há nada tão antigo nesta casa, já eram dos avós dos meus avós.

   Impressionava-me sobretudo o manto muito azul de Maria e o rosto magro, quase assustado de José. A avó limpava-os com muito cuidado e mandava-nos sair. Nunca nos deixou ver o resto.

( continua)

 

3 comentários

Comentar post