Uma verdadeira fístula no olhar
Perante o brilho baço e magro
Dos céus azulados
Um busto vermelho debaixo de um cipreste
Expunha a sua nudez do lado esquerdo
Os seios dividiam-se em dois olhos
Cujas veias apresentavam saliências
Esse busto que respirava com os olhos fechados
Tinha colado ao rosto uma flor amarela
Para lhe dar uma expressão artística
As pessoas passavam
De mãos nos bolsos traseiros
A segurar as nádegas balofas
E admiravam aquela escultura
Onde... por debaixo da epiderme
Circulavam formigas brancas
Não era propriamente
Uma reprodução de uma pessoa
Era mais....um poeta
Ou um filósofo...sem filosofia
Um anatomista diria que era...um microcosmo
Mas voltado ao contrário
Ou uma ideia sem glândulas
Nem papilas gustativas
Pelo pedestal escorriam gorduras de velas derretidas
E um conjunto de pessoas
Entusiasmadas e de testa enrugada
Ruborizavam-se e diziam coisas
Desinteressantes e incompreensíveis
Como se fossem luzes indesejadas
Outros aconselhavam o busto a tratar da pele
Ou a exprimir um pensamento
Uma cantora lírica de vestido preto
Aberto lateralmente até às nádegas
Elogiava a pureza artística
Dos ângulos obtusos do rosto
Os médicos foram convocados
Para analisar o tamanho do coração
E a sua opinião
Muitíssimo correcta aliás
Foi fundamental...
Para dizer que estava ali
Uma verdadeira fístula no olhar
Espelhada em vários matizes...